quarta-feira, 5 de maio de 2010

Eu te amo


"Se, ao te conhecer
dei pra sonhar
fiz tantos desvarios
rompi com o mundo
queimei meus navios
me diz pra onde 
é que inda posso ir?"



(Chico Buarque)

Texto para uma separação

Olhe aqui, olhos de azeviche
Vamos acertar as contas
porque é no dia de hoje
que cê vai embora daqui...
Mas antes, por obséquio:
Quer me devolver o equilíbrio?
Quer me dizer por que cê sumiu?
Quer me devolver o sono meu doril?
Quer se tocar e botar meu marcapasso pra consertar?
Quer me deixar na minha?
Quer tirar a mão de dentro da minha calcinha?
Olhe aqui, olhos de azeviche:
Quer parar de torcer pro meu fim
dentro do meu próprio estádio?
Quer parar de saxdoer no meu próprio rádio?
Vem cá, não vai sair assim...
Antes, quer ter a delicadeza de colar meu espelho?
Assim: agora fica de joelhos
e comece a cuspir todos os meus beijos.
Isso. Agora recolhe!
Engole a farta coreografia destas línguas
Varre com a língua esses anseios
Não haverá mais filho
pulsações e instintos animais.
Hoje eu me suicido ingerindo
sete caixas de anticoncepcionais.
Trata-se de um despejo
Dedetize essa chateação que a gente chamou de desejo.
Pronto: última revista
Leve também essa bobagem
que você chamou
de amor à primeira vista.
Olhos de azeviche, vem cá:
Apague esse gosto de pescoço da minha boca!
E leve esses presentes que você me deu:
essa cara de pau, essa textura de verniz.
Tire também esse sentimento de penetração
esse modo com que você me quis
esses ensaios de idas e voltas
essa esfregação
esse bob wilson erotizado
que a gente chamou de tesão.
Pronto. Olhos de azeviche, pode partir!
Estou calma. Quero ficar sozinha
eu co'a minha alma. Agora pode ir.
Gente! Cadê minha alma que estava aqui?

(ELisa Lucinda)

sexta-feira, 18 de setembro de 2009


"...Pertencia àquela espécie de gente que mergulha nas coisas
às vezes sem saber por que,
não sei se na esperança de decifrá-las ou se apenas
pelo prazer de mergulhar…”


(Caio Fernando Abreu)

Estranha sensação.
Descompasso. Desencontro.
Às vezes a pessoa chega na hora errada,

às vezes você chega na hora errada para ela.
Às vezes a pessoa chega, entra na sua vida

e sai sem pedir licença ou dizer adeus.
Às vezes é você quem faz isso e não diz porque.
Às vezes a pessoa entra na sua vida, mexe, balança,

desarruma tudo e depois coloca tudo no lugar,

como que para apagar seus rastros.
Às vezes você chega, desarruma tudo

e tem preguiça de arrumar depois.
Às vezes você chega um ano, um mês ou um dia adiantado.
E a outra pessoa um ano, uma vida atrasada.
E às vezes parece que a pessoa chega.

Mas ela finge chegar. Ela na verdade não quer.
E você fica pensando que ela chegou e quer.
Às vezes você pode não querer.

Não é o tempo, não é a hora, não tá legal. E ela chega.
Então vem a bagunça.
E nesse vai e vem do tempo
Será que vive-se?
Será que encontram-se?
Será que permitem?
Às vezes você procura a pessoa como um espelho

e ela não reflete a sua imagem.
Às vezes você procura refletir a imagem dela

mas não consegue, ela fica fora de foco.
Às vezes a pessoa se perde, envereda por caminhos

que não estão na sua direção.
Às vezes você não se encontra em caminho algum.
E nesse vai e vem de rumo
Será que vive-se?
Será que encontram-se?
Será que permitem?
Será que caminham?
Pode ser, mas como?


Uma taça de champagne
Um CD tocando sempre a mesma música
Crise
Um telefone ao alcance da mão
Um número decorado na cabeça
Uma aflição no coração
É aí que mora o perigo

(Martha Medeiros)

"Não me venha com meios-termos, com mais ou menos ou qualquer coisa. Venha a mim com corpo, alma, vísceras, tripas e falta de ar..."

(Caio Fernando Abreu)


“O medo sempre me guiou para o que eu quero.

E porque eu quero, temo.

Muitas vezes foi o medo que me tomou pela mão e me levou.

O medo me leva ao perigo.

E tudo que eu amo é arriscado”


(Clarice Lispector)